Daqui de cima posso ver o mundo, as pessoas. Vejo-as, caminhando lentamente – aqui em cima tudo passa muito devagar – para suas vidas simples, para seus objetivos, para sua rotina incessante. Posso ver até mesmo a mim, lendo um livro empoeirado, sustentando meu vício em café ou apenas olhando alto, procurando por mim, aqui em cima.
Será que eu posso me ver dali, tão de baixo?
Daqui de cima, acima de mim, eu posso ver o céu em seus milhares tons. Sobre mim, o céu azul-dia-ensolarado caminha dando espaço ao prata-dia-de-chuva, com sua brisa fria e agradável trazendo o cheiro consigo. Daqui de cima posso ver a chuva se formando nas nuvens, raios parando ao meu lado a poucos metros. Ao olhar para trás vejo as constelações do outro lado do mundo. Tão diferentes e belas! As estrelas trazem sons de tambores da África, enquanto observo atentamente a cidade envelhecida, mas tão cheia de vida lá embaixo. Consigo ver um sorriso estampado no meu próprio rosto, braços que não pertencem a mim ao redor do meu corpo. Vejo felicidade enfim. Aqui em cima, sentimentos são palpáveis, consigo colocar a felicidade nas mãos, trancafia-la num cofre.
Posso eu sentir nas mãos a felicidade tão leve e frágil lá embaixo também?
Daqui de cima, no topo do meu eu, da minha alma tatuada de coisas não feitas, não ditas e que jamais farei, me observo ali embaixo, como quem se vê num espelho novo. Mas posso olhar para os lados e ver o mundo, as constelações, a água caindo suavemente de uma nuvem até mim. Escuto todas as vozes, assisto à todas as façanhas...
Egoísta e grandioso demais enxergar a alma do tamanho do mundo, mas cá estou eu, no topo da minha alma, um arranha-céu velho, em ruínas, assistindo minha vida que passa tão depressa lá em baixo e tão lentamente, quase em câmera lenta, aqui em cima.
É um belo filme, diria.
Daria mesmo até um bom livro.
Ou não.
Daqui de cima posso me ver lá embaixo, me procurando em algum lugar por aqui.
Poderia eu tentar descer esse prédio velho de escadas para me encontrar lá embaixo?
Ou deveria eu tentar subir?